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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Eu tinha tudo e não sabia...




Quanto frio faz lá fora! Quanto frio tem feito durante esta última semana!
Termômetros assim, indicando uma temperatura tão baixa ainda em pleno outono, um indício da rigorosidade do inverno que se aproxima.
E eu como estou hibernando já há alguns meses, só tenho feito acrescentar cada vez mais cobertores ao meu aconchego. Me cercar de todos os recursos prazerosos que o inverno proporciona aos privilegiados.
Daqui do quarto ouço o açoite do vento lá fora, tremulando o janelão e maltratando os galhos da goiabeira do outro lado do muro.
Deve estar bem frio lá fora! Quantos não dormiram ao relento! Quantos não gostariam de uma xícara de leite fumegante como a que me espera na cozinha...É nesta época do ano que o problema dos desabrigados se torna mais visível.
Quantos não são agredidos, expulsos, violentados, por dormirem assim expostos ao relento! Alguns são recolhidos a um abrigo. A demanda é grande,o frio é intenso. Mas grande também é o coração daqueles que se entregam a suavizar as noites frias desses filhos muitas vezes esquecidos. Campanhas de agasalho já se tornam uma constante. Não resolve, mas alivia...
Eu aqui tão protegida e querendo estar lá fora! Sentir o vento frio batendo no rosto. As mãos procurando proteção nos bolsos do casaco. O cachecol ao pescoço... Caminhar contra o vento...
Mas eu sempre teria para onde voltar. Esses pobres coitados não. O cobertor fraquinho e puído é também seu teto. São os contrastes da vida. As diferenças sociais, as injustiças sociais difíceis de se resolver e que se agravam a cada ano.
Minha ajudante doméstica chega afoita. Nariz vermelho pelo frio, esfregando as mãos geladas. Levar os filhos à creche nesta época do ano é uma barra...
Puxa, como está frio lá fora”, diz. Eu a olho e me vejo no lugar dela.

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Eu me levantando assim tão cedo! Reclamando do frio, é claro, que ninguém é de ferro. Mas com vigor suficiente para enfrentar o vento gelado lá fora.
Por um instante me transporto ao passado. Manhãs geladas... mãos enluvadas...casacos sobrepostos...
Minha insegurança ao volante do velho fusca. O trajeto sempre discutível. Estrada de chão... serras.. pedreira … trechos de areia... ou barro. Atravessava os pastos com a geada ainda se desfazendo sob o sol pálido da manhã.
O destino? A escolinha rural. Quase sempre uma casinha de madeira no meio do pasto. Ao redor da casinha rústica, crianças esperavam pela professora, procurando se aquecer sob o sol gélido da manhã.
Muitas percorriam quilômetros a pé ou a cavalo. A maioria desprovida de agasalhos suficientes.
Entrávamos. Era preciso fechar todas as janelas, também de madeira, para nos proteger do frio. Difícil driblar o vento que teimava em entrar por entre as tábuas do assoalho suspenso ou pelas frestas da parede.
Mas as crianças não reclamavam. Fazia parte da realidade delas. A chegada da professora representava para elas o acesso a um mundo novo e desconhecido. Além da aprendizagem a escola funcionava como uma válvula de escape, um alívio do trabalho árduo na lavoura. E durante aquelas 4 horas que ali permaneciam, podiam se sentir livres da dura realidade do dia a dia.
Tempos difíceis aqueles, mas gratificante...
Início de carreira...condições precárias no trabalho.. difícil acesso a ele...
Filhos pequenos, mas ao meu redor
Um percurso acidentado, mas eu conseguia percorrer.
Hoje, tudo parece tão distante!
Filhos distantes! Estrada semi interrompida...vigor perdido.
É, eu tinha tudo e não sabia...

4 comentários:

  1. Lindo texto. Tanta verdade aqui e tantas recordações. Eram bons tempos mesmo com todos por perto e pequeninhos...beijos,chica

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  2. Olá, tudo bem? meu pai sempre fala: só damos valor depois que perdemos. É bem por ai mesmo... Bjs, Fabio www.fabiotv.zip.net

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  3. Obrigada, Edite. Eu estava esperando por um relato assim como a segunda parte do seu texto... mas não que eu desconsidere a primeira.
    Paz

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    1. Fiquei imaginando se vc iria compreender esse texto como complemento de um outro em que eu disse "tempos difíceis aqueles".
      É isto aí, Muitas vezes as dificuldades do momento nos ajudam a valorizar o que já passou e nos dá uma nova visão da vida.
      Que bom que vc compreendeu.

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