Lize não tem comparecido aos encontros catequéticos. No último em que compareceu, passei pela casa dela e a chamei.
Imediatamente ela me atendeu. Sempre dócil, disse que havia esquecido.
Não tem quem a incentive a comparecer. Mas quando comparece se mostra participativa.
Então, nesta semana, resolvi voltar à sua casa e verificar o verdadeiro motivo de suas ausências.
De pé, frente à sua porta, de novo me bate aquela sensação de falta de calor humano, de afeto, acolhimento…
Pela portaentreaberta pude mais uma vez constatar a desolação ali instalada. Umacozinha fria, inerte e solitária. Os objetos ali intactos aguardando uma mão que lhes desse vida. No canto o fogão abandonado, sem o calor dachama acesa. Tudo acentua a “ausência de mãe”.
Falta o chiado da panela,o pulular do feijão na fervura agitando a tampa do caldeirão, ocorre-corre da mãe afoita entre o fogão e o tanque… e o cheiro do café fresco coado pela manhã. É tão bom despertar e sentir aquele cheirinho familiar e convidativo.
Lembro-me quando criança, de acordar com o barulho dos copos e talheres na cozinha, indicando a presença da mãe, e aquele cheirinho tão peculiar de café coado.
Logo depois vinha o leite quente com café que aquecia o estômago e a alma. Dava aquela sensação de
bem estar, de conforto. Lize não deve conhecer esta sensação.Estava tudo muito silencioso e triste. Nem o som de um aparelho de rádio ou televisão. Será que também não têm?.
bem estar, de conforto. Lize não deve conhecer esta sensação.Estava tudo muito silencioso e triste. Nem o som de um aparelho de rádio ou televisão. Será que também não têm?.
Tudo isso me passou pela cabeça rapidamente. Então chamei: uma , duas vezes. Mais alto. E então Lize
veio correndo lá de dentro. Quando me viu seu sorriso se abriu:
veio correndo lá de dentro. Quando me viu seu sorriso se abriu:
-Oi,querida! Vim te ver. Você não tem aparecido…
Timidamente disse que se esquece. Pedi para falar com a avó e ela me acompanhou.
A avó, umasenhora muito simples, dessas que carregam nos traços e no caminhar o peso das dificuldades que já passou.
Mais uma “Maria”que recebeu a incumbência de cuidar não só de sua prole, mas também dos filhos dos filhos.
Maria…. Marias do infinito amor, do coração tão grande como o oceano.
“Maria”,aquela que muito amou e continua perpetuando seu amor na figura das “Mães
– Marias” que o mundo gerou.
– Marias” que o mundo gerou.
Maria..simplesmente MARIA… o mundo não a conhece…não sabe de sua força…
Na sua calma e docilidade dona Maria fala:
-Viufilha! Ela saiu lá da casa dela e veio te avisar do catecismo. Viu
como ela quer o seu bem! Quer te ensinar só coisas boas.
como ela quer o seu bem! Quer te ensinar só coisas boas.
Senti tanta docilidade e sinceridade nestas palavras! E fiquei feliz. Porque percebi que Dona Maria na sua simplicidade tem muita sabedoria e trata com docilidade sua neta.
Prometeu-me que iria lembrar Lize do próximo encontro. E cumpriu a promessa.
Na 5ª feira, a tarde estava fria, muito fria. Dessas em que tudo que queremos é ficar em casa agasalhadas, debaixo de um bom cobertor.
Mas ela apareceu. Estava com outra coleguinha, esta muito bem agasalhada . Mas ela…Fiquei pasma quando a vi…
.De shorts de chita,chinelos de dedo e camiseta. Fiquei atônita, sem ação.
Afinal, não tenho agasalhos de criança e aquela hora, onde iria arranjar um agasalho para ela?
Não podia recuar. Já havia uma outra criança na esquina, também muito bem agasalhada, nos esperando.
E chegou outra e mais outra…
Num impulso tirei meu casaco e enrolei Lize nele.
O encontro foi rápido. Não era possível ficar mais. Lize foi para casa, mas sua imagem ficou comigo. Não consigo tirar Lize da cabeça.
Fico analisando o que estou fazendo por Lize. Agasalhos já foram providenciados para chegar até ela.
Parte material suprida. É suficiente? Acho muito pouco.
Parte material suprida. É suficiente? Acho muito pouco.
E a carência afetiva?
Apesar do amor da vó Maria, sinto que é preciso fazer mais, muito mais…
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Texto escrito em 22/05/10 21:16:31, em um blog antigo que nem me lembrava mais. Casualmente vi o texto no google e recuperei- o para que fosse republicado . Um dos momentos que não me esqueço e sempre que ver Lize vou me lembrar de sua figura miúda e tímida , carente...
Lindo relato ,emocionante e numa casa faz falta o amor, o calor que circula... beijos,chica
ResponderExcluirSim, é preciso fazer mais e custa-me crer que ai na cidade, entre os fieis da igreja que ministra o catecismo e/ou evangeliza, não haja uma família de classe média que possa acolher essa mocinha... em troca ela poderá fazer algum serviço doméstico e ainda assim ir pra escola e tirar um par de horas diárias para estudar as lições escolares.
ResponderExcluirPaz
Vc parece ser como eu ,Paz . Fica impressionada com as situações de miséria humana que a vida coloca em nosso caminho. Gostaríamos de resolver essas tristes realidades , transformá-las . Saiba vc que Lize é uma criatura de quem jamais me esquecerei. Sua história realmente me tocou . Mas foram vãs as tentativas de aproximação. Em determinados casos fica difícil ultrapassar os limites da privacidade da família . Existem poréns' que nos barram. O pai simplesmente não apareceu no dia em que estive lá . Não sei como , mas deu um jeito de evadir-se . Há tb 3 irmãs mais velhas que tb sumiram . Qdo estava finalizando o encontro apareceu uma delas assim meio desconfiada , sondando minha presença ali. Tb logo desapareceu tb tem um irmão que não conheci. Resumindo : Todos deram umjeito de sumir. A avó, coitada tem tanta ocupação com tantos netos e filhos homens a cuidar ... Tem uma tia que conheço e dizem que é responsavel pela pequena . Mas , já fiquei sabendo que é exploradora de quem procura ajudar. Então , cidade pequena . Todos nos conhecem e sabem onde moramos . Qdo menos esperamos estão em nossa porta reivindicando algo . Como se fôssemos uma fonte inesgotável de bens . O ideal seria que tivéssemos por aqui alguma ong ou trabalho de assistência a esses adolescente . Por enquanto apenas projeto no papel A Ong " Nosso Lar" é um ideal a ser concretizado . Está a caminho . Esperemos que se concretize . Enquanto isso vamos fazendo o que está ao nosso alcance. O que pude fazer por Lize , foi o que citei : dei amor e acolhimento . Fui generosa com ela . Espero que tenha se sentido igual aos demais e não discriminada como parecia sentir . Fiz de coração e se a encontrá-la novamente minha postura será a mesma . Ainda penso em convidá-la para terminar sua catequese, agora no grupo de adultos . Por enquanto é o que posso fazer por ela. Abcs
ExcluirEsse relato sobre Lize não me saiu da cabeça o dia todo e retornei aqui... pra reparar detalhadamente que seu texto foi originalmente regidido há 5 anos... e me pergunto que idade tem Lize hoje e o que foi feito de Lize? -- Edite, se vc conseguir o romance O Pecado de Liza, de Somerset Maugham vai entender o porquê do seu relato ter me impressionado tanto. Foi o primeiro romance desse escritor inglês, qdo ainda estudante de medicina em Londres. Ele ficou conhecido no Brasil pelo romance Servidão Humana... deu filme... há 3 versões, sendo a primeira, em preto e branco, a melhor das três, com Bette Davis.
ResponderExcluirhttp://www.skoob.com.br/livro/62019-o_pecado_de_liza
Paz
PS - Em Portugal o livro é Liza a Pecadora... e pelo sim pelo não, deixo aqui:
"Liza of Lambeth (Liza a Pecadora), uma narração sobre um adultério na classe operária e suas conseqüências, bebe nas experiências do estudante praticante de obstetrícia no subúrbio londrino de Lambeth. A novela se enquadra no realismo social dos "escritores dos baixos fundos", como George Gissing e Arthur Morrison. Com toda a franqueza, Maugham ainda se sentiu obrigado a escrever no prólogo da novela que "… é impossível eliminar os erros de fala de Liza e dos outros personagens, portanto, o leitor terá de recompor seus pensamentos nas imperfeições necessárias dos diálogos". -- Liza a Pecadora alcançou êxito entre a crítica e o público e a primeira edição foi vendida em semanas. Isso foi o suficiente para convencer Maugham, que já se havia licenciado, a abandonar a medicina e embrenhar-se na carreira literária, atividade na qual ele militaria por 65 anos. A vida de escritor lhe permitiu viajar e viver em lugares diferentes, como Espanha e Capri, durante a década seguinte. Porém, suas dez obras posteriores não conseguiram rivalizar com o êxito de Liza a Pecadora. A situação mudou radicalmente em 1907 com o extraordinário sucesso de sua peça de teatro Lady Frederick. Durante o ano seguinte, teve quatro obras teatrais representadas simultaneamente em Londres. A revista Punch chegou a publicar uma charge em que Shakespeare aparece roendo as unhas nervoso diante do grande número de peças encenadas do autor." http://pt.wikipedia.org/wiki/W._Somerset_Maugham
Oi Edite! É triste pensar que existem muitas Lizes nesse mundo! O pouco que fazemos se torna muito! Bjks Tetê
ResponderExcluirMuitas , não é mesmo Tetê . Gostaríamos de transformar a realidade dessas pequenas . Mas nem sempre é como queremos . Existem barreiras ...
ExcluirOi querida amiga, vim lhe desejar uma excelente semana, beijos e fique com Deus!!
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