Durante esta semana fui presenteada inesperadamente com uma das delícias da culinária brasileira: um saco de milho verde. Pode parecer estranho chamar a isso de “presente”. O
milho é um dos grandes curingas da culinária brasileira. Vai bem com
diversos ingredientes e pode ser usado tanto no preparo de doces quanto
de salgados. Mas milho verde à vista é sinal de “trabalho”... Muito
trabalho...
Em meus tempos de criança, milho verde em casa significava festa, reunião de amigos, parentes, vizinhos. Era quando as famílias se reuniam e dali saíam delícias como curau, pamonhas das mais variadas, cremes e o tradicional bolo de milho.
O
milho era colhido na roça mesmo, nas chácaras ao redor do povoados e
até mesmo no fundo de grandes quintais.. Escolhiam-se as espigas mais
tenras e bem granadas. Voltávamos carregados de espigas de milho e ansiosos para começar a labuta.
As
crianças ficavam por ali e ajudavam no que podiam. Umas descascavam o
milho, outras eram encarregadas de limpar os cabelinhos. Para as as
pamonhas, a tarefa era mesmo de gente grande. Era preciso fazer um
corte especial na espiga, e separar muito bem a palha que faria o
saquinho para abrigar o creme da pamonha. Quando muito as crianças
ficavam com a tarefa de fazer as tirinhas de palha para amarrar a
pamonha que depois seria cozida.
Ainda lembro-me de minha mãe, avental todo respingado, à frente do bacião a ralar o milho. Detalhe para o ralo, que era artesanal. Muitas vezes feito por ela mesma usando uma lata de óleo vazia que era aberta e furadinha. Mas tudo era uma festa. Nem se cogitava das facilidades de hoje em triturar o milho no liquidificador ou ralador elétrico como se vê hoje em dia.
O
que importava era a reunião, as conversas ao pé do fogão, o trabalho em
equipe que fortalecia as amizades e os laços familiares. E ao final de
tanto trabalho, era um prazer ver todas aquelas iguarias
expostas sobre a mesa onde todos compartilhavam de um mesmo jeito de
viver. Ali havia amor, partilha e solidariedade.
Ainda hoje revejo na memória minha
mãe espalhando os pratos sobre a mesa e derramando o curau quentinho e
saboroso sobre ele.Amarelinho que ele só, de dar água na boca! E
ia enumerando... Esse para comadre fulana, outro para dona sicrana,
esse para a dindinha... A comadre podia não ter comparecido ao mutirão.
Mas nem por isso deixava de provar da iguaria.
Ah! Bons tempos aqueles! Tempos do fogão à lenha e um bolo de milho verde impregnando a casa com seu cheiro apetitoso. Na boca do fogão se colocava a panela com o bolo para assar sobre a chama. E o douradinho e crocante por cima se conseguia pelo
calor das brasas que eram colocadas sobre a tampa que o cobria.
Dificilmente alguém se lembrará dessa forma de assar bolo de milho. O
cheiro era irresistível...
Bem,
mas de volta à realidade. Eu não pude fazer essa “festa do milho”.
Aliás, fiquei até um pouco agitada diante daquele saco de milho verde.
Uma alegria que ficou prejudicada pela urgência que eu tinha em sair.
Era dia da minha hidroterapia e, nem pensar em faltar. Ao mesmo tempo em
que queria usufruir todas aquelas delícias que dali viria, também não
tinha tempo disponível para aquele preparo.
A
solução veio na partilha. Umas espigas para a vizinha de cá, outras
para a vizinha de lá. Eu acabei no dia seguinte fazendo com o que me
restou um delicioso curauzinho e um apetitoso bolo de milho. Não tive as
brasas para assar meu bolo de milho, mas ele ficou divino, além de me
reavivar todas essas lembranças da infância.
Os
tempos mudaram, a nova tecnologia chegou, nosso jeito de viver é outro.
Casas especializadas em iguarias feitas com milho verde estão
espalhadas de norte a sul do país.
Mas
os valores, os conceitos que se adquiriram no passado, as doces
lembranças de criança simples, pés descalços... Ah! Essas o tempo não
pode mudar...
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